Wednesday, January 21, 2009

Regras éticas e estéticas na criação de arte
RUBENS PILEGGI SÁ
Pensar na criação artística como um evento de fluxos, processos e continuidades onde a "obra de arte" seja apenas um instante de uma força motriz em eterno movimento e, principalmente, sem abandonar a questão ética e estética do foco, fazendo com que poética e política sejam indissociáveis, continua sendo um dos assuntos mais pungentes e urgentes sobre arte, desde o advento do modernismo, mais ou menos no final do século 18.
Quando se questiona noções como autoria, genialidade, originalidade, criatividade, tentando pensar a poética a partir de outras configurações como a criação coletiva, interfaces entre arte e vida - onde uma e outra se nutrem, confundem e se misturam - e direitos e propriedades, de modo geral, o que se pretende, de fato, é ampliar as possibilidades de criação além do que espera o bom gosto oficial e do que já está formatado como padrão para se pensar a arte em nossos dias.
Assim, não só a feitura da imagem passa a pertencer a um mundo onde tudo pode se transformar em arte, como também o próprio ato de realizar algo passa a ser um evento artístico, também. Por exemplo, incluindo espaços onde não se pensava poder abrigar arte, antes. Ou, com materiais perecíveis, recicláveis. Ou, até mesmo, com o próprio corpo.
Mais, fundindo e hibidrizando linguagens, onde os limites do que é pintura, escultura, desenho, teatro, dança, vídeo, etc. não sejam mais estanques, mas complementares. E, até, onde texto e ação se fundam, imagem e palavra se confundam. A arte já não é somente para "representar" o mundo, mas significá-lo, também. E hoje vivemos com tanta informação e material disponível que se torna tarefa indispensável manter-se atento ao tipo de trabalho que se pretende desenvolver, ainda mais quando se procura atravessar as brechas, vãos e rachaduras que nossa "sociedade de espetáculo" acaba proporcionando. Ou seja, cada vez mais a arte se transforma em "cosa mentale", como já dizia o renascentista da Vinci.
Com tanto material disponível, era de se esperar que uma hora aquela idéia que tínhamos de gênio, de originalidade, de esperança no novo, no moderno, fosse se esgotar. E, então era preciso reciclar as idéias para manter viva a chama da criação.
A colagem, já disse a crítica Rosalind Krauss, inaugura um pensamento onde a arte passa a trabalhar com vários materiais distintos à disposição do artista. E, a partir daí a idéia de colagem se amplia até o ponto de misturar não somente materiais, mas, qualquer forma com outra. Seja no nível das linguagens, seja um rato com uma orelha nas costas, como as recentes pesquisas no campo da genética. O que parecia somente uma brincadeira dadaísta do começo do século passado, tornou-se uma sombria profecia contemporânea.
Quando falamos em plágio, roubo de idéias, imitação, cópia, por exemplo, não queremos dizer, com isso, que tudo está liberado ao bel prazer de quem quiser se apropriar do trabalho alheio, mas de que esta é uma possibilidade de trazer para o mundo da arte e das idéias algo mais que um simples golpe comercial que se tornou regra no mercado. A cópia deslavada do trabalho e da pesquisa alheia.
Talvez, em arte, por uma questão de formação cultural, esse tipo de mecanismo se torna até mais grosseiro, porque se espera do artista alguma envergadura moral e senso crítico de seu trabalho. E, para não confundir o público, mostrando como exótico algo retirado de seu contexto e, vendido como arte em galerias, exposições e museus, por exemplo. Tirar uma árvore da mata e expor suas raízes em uma vitrine, como raridade, pode tornar seu autor com a fama de esperto, mas nunca um artista capaz de pensar sua época. Ainda estamos em tempos onde o marxismo é fundamental para entender o capitalismo e, somado ao enorme desperdício dos recursos naturais, isso de ser contra a própria criação, como se ela também não fosse o "deus ex machina", um golpe de teatro.
Rubens Pileggi Sá é artista, escreve na Folha de Londrina e publicou o livro Alfabeto Visual, a venda na Livraria do CANAL.